Voluntariar pode ser mais do que fazer o bem
Fazer o bem é a única finalidade de um projeto com voluntários?

Voluntariar traz algum benefício concreto?
Fazer o bem é a única finalidade de um projeto com voluntários?
Eu diria que não. O trabalho voluntário pode ser mais do que fazer o bem.
Este argumento ainda surpreende muitas pessoas e organizações.
O problema é que nem todas elas compreendem o que significa "mais do que fazer o bem".
É por causa desta incompreensão que muitos projetos de voluntariado nascem, mas não chegam à vida adulta.
Nos anos 2000, fazer o bem se tornou um mantra, e também um tipo de moda, mas nem todo mundo sabe o que fazer com isto.
Eu vou mostrar porque fazer o bem é só o começo.
Esse pensamento pode ser útil para voluntários, gerentes de projetos de voluntariado e tomadores de decisões nas organizações.
Se você chegou até aqui é porque talvez gostaria de saber como obter benefícios mais concretos para o seu projeto.
Como torná-lo mais profissional.
Especialmente em um mundo pós-pandemia.
Voluntariar é juntar pessoas e causas
Voluntariar é mobilizar pessoas em torno de uma causa concreta, para a melhoria ou solução de problemas concretos. Voluntariar não é apenas caridade, filantropia, muito menos terapia.
O papel do voluntariado nos programas de impacto social aumentou nos anos 2000, e tudo indica que é uma tendência irreversível.
Vivemos na era das causas, e o voluntariado passou a ser um meio para atingi-las, e não apenas um fim em si mesmo.
Esta foi a mudança. Fazer o bem se tornou algo muito abstrato, uma vez que nós conhecemos os problemas sociais que precisam ser resolvidos. As grandes causas indicam o que realmente precisa ser feito.
Neste novo cenário, a meta global de todo projeto de voluntariado precisa ser: mobilizar pessoas em torno de uma causa concreta, para a melhoria ou solução de problemas concretos.

Essa meta inclui fazer o bem. Mas, o bem não é uma causa.
Voluntariar é perseguir a meta global de impacto de um projeto, devagar e sempre, para atingir resultados concretos.
Ações de voluntariado em momentos de crise, como a pandemia de Covid-19, precisam de rapidez.
Mas eu estou falando de projetos que, mesmo sem a urgência de uma crise, investem pouco no longo prazo e no impacto real.
A pergunta que eu tenho para você é a seguinte: O seu projeto de voluntariado gera impacto ou apenas fortalece o discurso sobre o bem?
Saber disso será fundamental para o sucesso do seu projeto.
Aqui vai uma lista de razões para você apostar sem medo que voluntariar é mais do que fazer o bem.
Voluntariar é cultivar o engajamento entre pessoas para atingir metas de impacto por meio delas. Engajamento é uma forma mais aprofundada de compromisso, não é uma obrigação.
Voluntariar é liderar ações ligadas à uma causa, por menor e localizada que essa causa seja. Afinal, o que será da causa da água e do saneamento se todo mundo decidir que a educação é a única causa que deve ser trabalhada?
Voluntariar é fazer uma gestão específica de projetos, condicionados a benefícios concretos para pessoas e comunidades.
Percebeu que "fazer o bem" não aparece como finalidade principal?
Por isso, eu prefiro chamar o bem de impacto social.
Pois todo impacto social é fazer o bem, no final das contas. Mas, nem todo bem está promovendo impacto social.
Voluntariar na prática
E se o seu projeto de voluntariado tivesse a convicção de mobilizar e engajar pessoas, transformar a cultura em que vivemos? E se o seu projeto tivesse a convicção de influenciar a solução de problemas, se tornando um meio efetivo de implementação da mudança?
Algumas pessoas achariam difícil colocar essas convicções em prática, já que voluntariar é uma atividade não obrigatória, historicamente ligada à caridade e à filantropia, sem ambições monetárias ou influência política.
Mas hoje nós conhecemos bem os problemas sociais que precisam de solução.
Eu acredito que até 2030, o campo dos programas de voluntariado será dividido entre aqueles que atacam as causas dos problemas, e aqueles que só querem fazer o bem.
Pessoas, empresas e organizações comunitárias ainda têm medo de apostar tantas fichas no voluntariado. O que farão se der errado, quem vai gerenciar tantas atividades de impacto, quem vai mobilizar voluntários, acompanhar resultados, e se o programa se tornar politizado demais?
No limite desse dilema, todo mundo acaba ficando onde está, por precaução.
John-Paul Flintoff, no livro Como mudar o mundo, escreveu sobre esse dilema:
“Primeiro as pessoas que se preocupam com o aquecimento global, perguntam a especialistas se vamos sobreviver. Se especialistas dizem que sim, elas voltam a se comportar como sempre. Se especialistas dizem que não, todo mundo entra em desespero. Nenhuma dessas atitudes provoca mudanças”
Se quisermos provocar mudança social, transformar a cultura e comprovar resultados por meio do trabalho voluntário, talvez tenhamos que enfrentar esse dilema de um jeito mais corajoso.
O voluntariado não substitui políticas públicas, mas na prática estamos contribuindo com isso. Dá trabalho. Não tem outro jeito.
Então, como escolher uma causa adequada a sua organização ou projeto independente de voluntariado, e obter resultados mais concretos sobre problemas sociais urgentes?
Para escapar desse dilema, eu proponho pensar nos 17 Objetos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ligados à Agenda 2030 das Nações Unidas.
O dilema sobre o que fazer nos assombra quando não encontramos nenhuma referência compartilhada dos problemas que precisam de solução.

O pacto firmado em 2015 na ONU em torno da Agenda 2030, busca colocar o mundo em um caminho sustentável por meio da atuação direta sobre problemas como Igualdade de Gênero, Energia Limpa, Trabalho Decente, etc.
E para que isso aconteça, será necessário tomar medidas mais ousadas e transformadoras por meio de iniciativas de impacto.
Para as Nações Unidas, os ODS constituem uma ambiciosa lista de tarefas, para todas as pessoas e organizações, em todas as partes, a serem cumpridas até 2030.
É tão bom quando temos uma lista de tarefas para trabalhar, não é? Assim o dilema sobre o que fazer vai dando lugar à ideias sobre como fazer.
Consulte a Agenda 2030, tente encontrar "fazer o bem" como meta principal. Ela não existe. Fazer o bem pode ser compreendido como gerar impacto sobre qualquer uma das 17 metas globais para o desenvolvimento sustentável.
Voluntariar pode ser um fantástico meio de implementação para qualquer um dos ODS, com impacto previsto globalmente.
A agenda 2030 nos libera da tarefa de delimitar o problema. Já podemos ir direito para a solução, e aproveitar a experiência de buscar soluções criativas por meio de projetos de voluntariado.
O voluntariado está se tornando um meio de implementação da mudança no mundo. A ONU está apostando nisso, assim como grandes organizações e comunidades em todo o mundo.
Agora, você já se perguntou sobre a capacidade técnica e grau de maturidade do seu projeto de voluntariado?
Faça uma checagem rápida, antes de escolher uma causa para trabalhar:
Aqui vai uma lista com 7 perguntas para ajudar você a classificar o grau de maturidade do seu programa de voluntariado.
Esse checklist serve para empresas, organizações comunitárias e iniciativas independentes:
O seu projeto de voluntariado busca fazer o bem como objetivo principal, ou busca ser uma modalidade de impacto social e desenvolvimento?
O seu projeto de voluntariado amplia o campo de escolhas de uma determinada comunidade, ou gera resultados apenas para a sua organização?
Voluntários e voluntárias do seu projeto conseguem se auto-organizar para implementar atividades?
O seu projeto de voluntariado mobiliza a liderança de mulheres?
O seu projeto de voluntariado possui metas com base no desenvolvimento sustentável de pessoas e comunidades?
O seu projeto de voluntariado verifica e dimensiona o risco das atividades?
O seu projeto de voluntariado promove desenvolvimento pessoal e profissional de voluntários?
Se a maioria das respostas foi "não", o seu projeto ainda funciona na lógica em que voluntariar é fazer o bem. Você está correndo o risco de desperdiçar tempo e recursos, e não obter o impacto social esperado e o reconhecimento que o seu projeto merece.
Agora você já sabe que existe uma outra forma de pensar sobre voluntariado.
A fórmula é (juntar pessoas e causas) + (trabalhar com problemas concretos) =obter impacto social em nível global.
Sobre a autor:
Rafael Medeiros é Profissional do Voluntariado desde 2013. Bacharel em Relações Internacionais e Mestre em Filosofia & Estudos de Gênero. Trabalhou com Ativismo e Mobilização na Anistia Internacional entre 2015 e 2017, e atualmente é consultor de voluntariado no UNICEF Brasil.